Vem, a Poesia, eu vos conto, rastejando por entre o lixo, como um gato à procura de qualquer coisa...
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Isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece

Olá amigos, é o professor Saraiva quem vos fala! E, à primeira vista, isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece, pelo menos, à primeira vista, no entanto, seria mais correcto compará-lo com outra coisa qualquer. Como de momento não me lembro o quê, chamemos-lhe um ponto de encontro de almas sensíveis e mentes abertas ao apelo da grande Arte Poética.

Ora, num contexto destes, pensar-se em prémios e gratificações é de uma mesquinhez inqualificável, de merdosa. Haveria de servir-vos de consolação e júbilo o serdes publicados neste espaço de tão requintado gosto e exigente gabarito, mas, já andamos nisto há muito tempo e sabemos do que a casa gasta, por isso é bem provável que vos ofereçamos uma qualquer lembrança, ou singelo regalo, como prémio e distinção...

Até lá, que deus vos cubra!

segundo entremez do mês – e sai mote!

Olá amigos, é o professor Saraiva quem vos fala. E nem sabeis bem a sorte que tendes de me apanhar bem-disposto como eu hoje estou, devido a este maravilhoso sol de Primavera que me aquece a alma e alumia as entranhas, ou vice-versa. O resultado de uma tão grande boa disposição é que resolvi atribuir esta semana não um mas sim cinco (apre, que custa a dizer, mas sim cinco…) prémios, quatro dois quais, perdão, quatro dos quais se podem com propriedade considerar exaequtivos, porque são dados ex aequo para o primeiro lugar. Então, nesse caso, perdão, estão nesse caso:

1º lugar ex aequo com os outros três nas mesmas condições

Abrelatas de Conserva Ramirez, de Folha de Flandres, Bélgica

a sagrada clavícula da virgem maria
de que vos fosteis lembrar
o esternocleidomastoideu da tua tia
também dava p'ra rimar

seria mais palavroso
mas 'inda assim musical
como aquele osso parente
do osso parietal
que agora assim de repente
não se me vem à cabeça
que o crâneo como sabeis
é feito de muita peça
coladinha c'uma gosma
chamada massa cinzenta
e é assim que no conjunto
a pobrezinha s'aguenta
mas a sagrada clavícula
sempre tem um panaché
que nunca na vida há-de ter
os ossos que tem o pé
nem de longe nem de perto
como é que eu hei-de explicar
nem por muito que se estique
não lhe chega ao calcanhar
e p'ra mais sendo da virgem
dessa santa mãe de deus
é relíquia p'ra valer
duas grosas de pneus
é coisa de mui valor
e devida devoção
é coisa que sem favor
merece consid'ração
consid'ração e respeito
respeito e admiração
admiração e amor
amor e coisinhas doces
guloseimas e farturas
farturas é massa frita...

e de repente alguém grita:
Calada! Ridícula! onde é qu'ela já ia...
...
a sagrada clavícula da virgem maria.

Também 1º lugar ex aequo com os outros três nas mesmas condições

Ermelinda Rosa dos Suspiros e Morais, Monte do Gozo, Galiza.

a sagrada clavícula da virgem maria
a bendita estrutura onde se articula
o braço que chega até à mão esguia
com que acaricia o rabo da mula

a mula que leva a mãe de jesus
em trabalho de parto p'ra jerusalém
é a mula aos coices por cima das pedras
e o menino jesus na barriga da mãe

o osso bendito de alvura tamanha
mesmo consagrado também já vos digo
oh meu amigo se um cão o apanha
da virgem e tudo chamava-lhe um figo.

Ainda 1º lugar ex aequo com os outros três também nas mesmas condições

Rafael dos Anjos, de Gesso Fresco

a sagrada clavícula da virgem Maria
mas que coisa ridícula deve ser mania
moléstia malina ou febre dos fenos
esta de guardar objectos pequenos
restinhos de ossos e coisas assim
e depois benzê-los com perlim pim pim
e dizer que são santos e têm virtude
e assim deus me deia vidinha e saúde
se com tanta tralha benzida no altar
ainda há lá espaço para o padre falar
falar e dizer de sua justiça
se não me quer benzer
também a minha

clavícula
claro está.

Último 1º lugar ex aequo com os outros três nas mesmíssimas condições

Dióxido de Couve Podre, Lisboa

A sagrada o quê, que não ouço?!...
Gritou-me ela do quintal.
Tens de me falar mais alto,
Que eu aqui ouço-te mal!
A clavícula sagrada!
Respondi eu a gritar.
E ela, não ouço nada,
Pareces o gato a miar…
A clavícula, berrei,
Da virgem sagrada, caraças!
E ela, dói-te a vesícula?
Bebe uma água que passa!
A clavícula, canudo!
A clavícula sagrada!
Levaste com um tubo na vista
E agora não vês nada?!
Esfrega os olhos com limão
Que diz que faz muito bem
Desinfecta a inflamação
E a porcaria também
Foi nessa altura que a vista
Se me começou a turvar
Os ouvidos a zumbir
As pernas a bandear
E umas coisas a subir
Pela espinha devagar
E a faca da cozinha
Mesmo à mão de semear
E o braço decidido
Do gesto que desferia
E ela: que susto querido!
Valha-te a sagrada clavícula da virgem Maria!

A razão da escolha destes poemas para o primeiro lugar é simples: trata-se de poemas em que graciosamente se alia um certo cariz popular a uma deslumbrante erudição que vai beber às mais sólidas fontes de água da tradição poética indo-europeia, se bem que mais indo do que europeia. Escusado será dizer que, como só temos um disco para dar e há quatro premiados no primeiro lugar, fico eu com o disco e nenhum deles o leva, que é a compensação de terem sido os vencedores, pois que, sendo recompensados com a Vitória, de mais compensações não precisam.

Agora, para não dizerdes que a minha boa disposição se fica pelo primeiro prémio e que por ele se fica a exaequidade, também decidi atribuir ax aequo o segundo prémio, mas desta feita a uma concorrente só:

2º prémio ex aequo com ele próprio

Quasevirgem Maria, Nalga Fria, Portugal

a sagrada
clavícula
da virgem
maria
recurvada
ridícula
de origem
sombria
alfavaca
hortícola
impingem
sadia
tumefacta
vesícula
fuligem
na pia
tenebrosa
vertigem
partícula
no olho

obrigada.

Este segundo lugar (aliás como a menção honrosa que se segue, que, sem ser prémio, não deixa de o ser) é atribuído pelo carácter vanguardista oh experimental do poema, que deixa a desejar que a sua autora se dedique a muito mais experimentação e menos poesia. Como prémio, receberá o poema classificado em segundo lugar (aliás como a menção honrosa que se segue…) uma lata de tinta de esmalte, mas só para a semana, que a que agora aqui tenho, preciso dela.

Menção honrosa:


Ismael, Ilhas Caimão, ao pé dos Correios

lambezuga o imponderável à beira da agonia
transpicura ao indelével de maneira meio esguia
enzarolha indefectível
sempre em ponto e ao meio dia
articula ao maleável enjeitado que encolhia
na frutícula esperança de comer a sopa fria
na colherada que avança p'la indómita aletria
a sagrada clavícula da virgem maria
espanta-se e cai de costas
sumindo-se p'lo ralo da pia.

Finalmente, quero também atribuir um prémio de insolação ao nosso viajante da América hispânica, porque aquilo só pode ser de ter apanhado muito sol na moleirinha. Ainda assim, gostaríamos de referir como exemplar a persistência desse Sr. Hipólito, que manda a concurso não um mas dois (poemas), como que para deixar claro que um mal nunca vem só. O nosso muito obrigado e persista sempre.

Hipólito Osório de Sá 1

A sagrada clavicula
da virgem Santa Maria
dessa santa sem macula
é a maior reliquia

nem de S. Pedro o cranio
que é reliquia bem rara
nem do Cristo o sudario
nada a ela se compara

pois que quem ‘stiver na posse
da sagrada clavicula
nunca mais há-de ter tosse
nem menisco na rotula

e com ou sem claviculas
eis onde eu quero chegar:
sem palavras esdruxulas
é bem mais fácil rimar

Hipólito Osório de Sá 2

A clavícula da san-
ta mãe de cristo, Mari-
a foi um senhor Hassan
quem na descobriu um di-

a, de manhã; ele estan-
do a cavar lá no quintal
de repente eis senão quan-
do a folha de metal

do sacho, em algo de gran-
de dureza acertou,
e o nosso amigo Hassan
surpreendido ficou

e mais quando escavan-
do um pouco mais viu um o-
sso que era todo brilhan
-te, como se fora d’ou-

ro – ó coisa deslumbran-
te, que só podia ser
(nunca o duvidou Hassan,
se vos int’ressa saber…)

o que era: osso de san-
ta, relíquia milagro-
sa, e foi a correr espalhan-
do por todo o mundo a no-

va, e devemos ao san-
to homem que é o Hassan
essa relíquia da san-
ta que de Deus foi mamã.

se é fácil versejar
sem as palavras esdrú-
xulas, mais ‘inda é rimar
só com palavra agu-


das.

Entretanto, quero anunciar que, tendo acabada empatada a uma bola a votação para o mote da próxima semana, e usando dos poderes que me são conferidos pelos estatutos deste blogue, na minha qualidade de presidente do dito, proclamo, a bem da nação, que o mote da próxima semana seja:

oh admirável mundo novo / que tão sublimes ovos pões

E cumpra-se, sim?

Já agora, cumpre-me também informar de que o prémio para o primeiro lugar será uma televisão de écrã gigante de plasma, que deixa qualquer pessoa plasmada. Na foto abaixo, a nossa querida Maria Alice, em traje de cerimónia, recebe das mãos do representante do governo civil a chave do referido aparelho, em troca da promessa de nos desfazermos dele o mais depressa possível. E haverá, dizei-me, quem não queira ter à lareira um televisor assim, hem?


Ficai na paz do Senhor,

Vosso Alcino
(hoje dispenso títulos, por causa da já referida boa disposição)

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