Pois bem, meus amigos, é o professor Saraiva quem vos fala. Já reparásteis nas horas?... se não o fizestes da parte da manhã, não há-de ser agora, já depois d'almoço e com a barriga cheia, que o ireis fazer ainda. E porque também já são horas e eu não tenho o dia todo, declaro encerrada a primeira semana de uma longa amizade e poesia!
Como prometido, publico seguidamente os três poemas que, por uma razão, ou não, mais me sensibilizaram. Por outro lado, neste caso, do lado de baixo desses três, seguem-se os restantes cinco, que perfazem assim a totalidade de poemas recebidos esta semana. As identificações dos autores aparecem abreviadas por razões de segurança.
E, como já repararam, desta vez resolvi publicar a totalidade das obras recebidas. Por duas razões: a segunda é porque era a primeira semana e a primeira porque eram poucas. Para a semana publicaremos apenas, como combinado à partida, as três obras escolhidas. As restantes ficam encolhidas, nas caixas de comentários, onde as deixarem. Quem quiser lê-las, vá lá procurá-las e desampare-me a loja! Sem mais, deixo-vos então com os poemas recebidos esta semana neste Momento de Poesia.
"Não me aconchega a barriga"
1º - Elizário Camelo, Picos do Bornéu.
Vou comprar umas galochas,
p'rà quinta feira da espiga.
joaninhas são carochas,
como o cansaço, fadiga.
e quando o mar bate nas rochas...
é conhecida a cantiga:
as ceroulas, que me deste,
não me aconchega a barriga!
*(pela simplicidade e porque ainda é meu primo afastado)
2º - Paulino Abbado, de Jazente, Concelho d'Amigo
Digo já: eu dizer que, bom, não gosto,
Dito assim, só sem mais, eu não o digo,
Prefiro dizer antes: não desgosto,
Por muito que não seja grande amigo…
Uma parca cenourinha, três ervilhas,
E uma posta frugal de um pescado
‘Stou em crer que pescado em longes ilhas
(Não é de cá o preço, é de outro lado!!!…),
Coberto tudo a molho esverdeado,
Que nem sei a que sabe… Bom, enfim,
mau não é, mas não é bem para mim…
Serei tosco, talvez, asselvajado
Mas essa que ora há nova cozinha
Não me aconchega, não, a barriguinha…
* (um clássico é sempre um clássico, porra!)
3º - Arlindo Serviço, Bemposta do Meio, Concelho de Estado
é sublime o amor de mãe,
bife no pão também é.
e carapaus fritos, de um dia para o outro,
de manhãzinha, com café?...
faz tremer o coração,
o amor da nossa avó.
e um arrozinho com feijão
e arroz doce? e pão de ló!?
não há coisa mais bonita
do que o amor entre irmãos.
frango com batata frita
também é bom e come-se com as mãos!
e o amor é uma bênção.
onde há amor, não há briga.
bem o pintam, mal o pensam.
não aconchega a barriga!
* (porque, quando me falam em carapaus fritos, de um dia para o outro...)
agora, o resto...
Carlos Vinha, de Alhos Vedros
Mas não vês que essas pilhérias
não me tiram de misérias
a malvada que, vazia,
se rebela em/com tracções,
desesperos, diz, torções,
desconforto, dispepsia,
e por isso, se te resta
palmo que seja de testa
e três dedos de moral,
hás-de ver que é crueldade
essa tua alarvidade
estando-m’eu a sentir mal
de tanta que é a larica
que uma pessoa até fica
como eu nem sei‘xplicar
uma coisa, uma aflição
que só vista porque não
dá para a gente contar
mas tu contas anedotas,
indiferente e nem notas
(eu já nem sei que te diga…)
que a gracinha da piada
é pouca ou é quase nada
– não me aconchega a barriga…
Aguiar, da Beira
Esta cozinha moderna
Toda chique e toda fina
Despreza a banha de porco
Já não usa margarina
Come quase tudo cru
Que é dieta mais amiga
Pode ser mas, sabes tu?,
Não me aconchega a barriga
Tiago Quitério, Casalinho da Ajuda
quantas vezes é que ainda
precisas tu que te diga?...
não me aconchega a barriga
não me aconchega a barriga
não me aconchega a barriga
não me aconchega a barriga
não me aconchega a barriga
não me aconchega a barriga
não me aconchega a barriga
irra irrga ga a issso
Luiz Vaz nas Horas, Alcochete a Sul do Tejo
Estendes-me a mão e o mundo treme.
Hesita, como a gelatina royal.
Suspende a emoção, a perna em éme,
De maionese, ou mesmo de animal.
Hesito eu também, perante o espanto
Da generosa oferta singular
Dois rabanetes crus, dizes portanto,
É o que temos hoje p’ra jantar.
Percebo a intenção, entendo o gesto,
Acompanho o raciocínio e mais o resto…
E mais do que isso, não sei que diga.
Onde o podes meter, adivinha tu
Que p’ra mim, rabanete cru
Não me aconchega a barriga
Emmy Grant, Nova Jérsia, Estados Unidos da América
"Nocturno para Maria Albertina"
Sonho moliceiros* no Hudson
Sonho John Wayne de barrete verde,
Pampilho* ao alto, corpo erguido no selim,
A assobiar baixinho os blues (1) de Carlos Ramos,
Esses seus blues tão nossos de todos nós…
Sonho que é verde e soalheira Primavera
Este frio desgraçado de Januário*…
Sonho que a zurrapa de bourbon (2) que beberico
É bagaço* ou é medronho* ou jeropiga*…
Sonho que é feijoada* o pork and beans, porque assim
Feijão só e entrecosto*,
(Damn*!, nem umas tripinhas, nem uma rodelinha* de chouriço…)
Não aconchega a barriga…
Traduzido do original em inglês por Ella Mesmo
Notas da tradutora:
! as palavras marcadas com* apareciam já em português no original
(1) No original, “fado”.
(2) No original, “whiskey”.
* Comentários do professor Saraiva, no original
Sabem se o Prof. Saraiva ainda vende os folhetes do romance de carlos magon e os doze pares de França?
ResponderEliminarfalta-me o folheto nº 22.