Lidos e relidos com toda a atenção e sem desprimor, eis-nos chegados à hora de lhes reconhecer garbo e graça e premiá-los como ele falta, perdoem-me o francesquismo.
E deixem-me que vos explique, antes de mais, que o primeiro prémio desta semana se justifica pelo arrojo, dedicação e audácia demonstrados pelo caro amigo Cajó, como parece que gosta de ser tratado. É de facto um texto arrojado e visceral que denuncia, com crueldade e ternura, que o seu autor é um ser habituado a andar de cacilheiro e na rodoviária de sul do Tejo.
Posto isto, vamos a isso!
1º prémio desta semana que passou...
Rasgam com as patas restos de carnes suspeitas
Avançam os narizes ensanguentados farejando a morte
Olham de soslaio as sombras que se arrastam famintas pelas esquinas da escuridão
Animais selvagens de uma bestialidade ainda desconhecida
Deixam atrás de si um rasto nauseabundo de pestilência e crime
Desconfiados mostram os dentes podres
Num esgar de ameaça que não esconde o medo que sentem
Arrastam-se contorcendo-se de dores insuportáveis
Os ventres incham-lhes em espasmos terríveis como se fossem dar à luz criaturas medonhas
Agacham-se no meio do lixo e abrem as pernas em poses obscenas
Olham-nos nos olhos com uma expressão aflita
O ar à volta gela o silêncio que nos envolve
Todo o tempo se cristaliza ameaçando rachar-se em dois
E eles, sem um grito, mas com um olhar suplicante, começam a cagar
Caixas de música e Títulos do Tesouro.
Oh admirável Mundo novo,
Que tão sublimes ovos pões
Parabéns ao Cajó e a todo o Laranjeiro!
Agora os restantes concorrentes...
Pois esta semana, resolvi executá-los a todos. Ou seja, ficam todos quites no ézècuo, que assim ninguém se fica a rir.
Para todos e em consolação e reconhecimento, a seu tempo, enviaremos pequenos transístores a pilhas, para que oiçais o Académica-Boavista, da semana que vem.
Agora os poemas...
Rogério Fotocópia, dos Dois Lados
Oh admirável Mundo novo,
Que tão sublimes ovos pões!
Pensava Deus, certo dia,
Sozinho com seus botões…
E o pensar fez-lhe fome.
Levantou-se e foi comer,
Mas sem deixar de pensar,
Enquanto punha a aquecer
Um caldo verde fresquinho,
Acabado de fazer.
Oh sublime caldo de couve.
Ouviu-se então a dizer.
E enquanto Deus comia,
Em silêncio, reflectia
Nesse pensamento atroz
E parece que sentia,
Lá por dentro, em rebeldia,
A tripa toda a dar nós.
Se nesse dia, a costela,
Que do Adão que dormia,
O futuro adivinhasse,
Melhor fora que a fritasse,
Com batatas a comesse,
Ou então, que a rifasse.
Ovos sublimes, à brava,
Pois não se está mesmo a ver…
Dizia, enquanto soprava
A sopa, p’r’àrrefecer…
Foi quando, de supetão
Uma ideia o fez sorrir.
Sublimes são, pois então,
Vou fritar dois, a seguir!
Manuel Histórico, de Ganir dos Bois
Oh admirável mundo novo,
Que tão sublimes ovos pões.
Pode o mundo pôr um ovo?!
Essa é a questão das questões.
Que o cu do mundo, sabemos
Que fica fora de mão;
Se põe ovos… ignoremos,
Talvez possa, ou talvez não.
Mas no caso afirmativo
Se for essa a circunstância
Acho muito positivo
E fique já paralítico
Se lhe nego a importância
Ou me ouvem um par’cer crítico
MFT, de AC, MD
Os ovos que pões e lanças
Neste mundo a rebolar
É uma pena não podermos
Fritá-los a gente ao jantar
São sublimes não duvido
Alguns são ovos-surpresa
Mas continuam sem ser
Coisa de comer á mesa
E para que serve então
Um ovo que não se come
P’ra que serve se a questão
Enfim, se o mal é fome
Admirável mundo novo
Maior fora a admiração
Se desse tal bendito ovo
Nascesse um galo capão
Que isso sim já se podia
dizer-se que a bem dizer
isso sim que já trazia
qualquer coisa de comer
um galo capão assado
no forno com batatinha
oh mundo novo obrigado
e cumprimentos à galinha
Xavier Lopes, estação de serviço de Aveiras
Convulsões e combustões
Extinções e reflexões
Demissões e convicções
Construções e corrupções
Congestões e decisões
Borrachões e cachações
Canastrões e comissões
Multidões e procissões
Privações e pavilhões
Pelotões e promoções
Propensões e precauções
Presunções e prestações
Podridões e erupções
Reclusões e refracções
Soluções e traduções
Restrições e tradições
Prevenções e perdições
Secreções e excreções
Tropeções e vibrações
Vocações e tentações
Sugestões e assombrações
Opressões e aparições
Omissões e exortações
Explorações e embirrações
Infiltrações nas canalizações
Oh admirável mundo novo
Que tão sublimes ovos pões
Zen Rodrigues, de Osaka, Japão
em maio
canta a popa
pia o gaio
oh admirável mundo novo
que tão sublimes ovos pões
Admirável mundo novo,
que sublimes ovos pões!
Sei que vendes cada ovo
a três por cinco tostões
e eu quase me comovo,
quase cedo às emoções,
mas depressa me demovo
de cair em sensações:
se é no molhado que chovo,
há-de haver ocasiões
mais enxutas, e então louvo
os lindos ovos que pões!
Ó mundo d’admirações!*
Que sublimes, oh, vos pondes
assinalados barões,
marqueses, duques e condes,
se comeis (o que eu aprovo!...),
os sublimes ovos, pois,
cujos louvores renovo.
Mas se os comeis dois a dois,
nas contas, p’lo que comprovo,
vão surgindo confusões,
que o preço de cada ovo
é três por cinco tostões…
Admirável mundo novo,
que sublimes ovos pões!
Grande poeta é o povo
e a Rosinha dos limões.
Sim! Admirável o mundo
dos sublimes ovos, pois,
mas não será que, no fundo,
está o carro antes dos bois?
Admirável mundo novo,
surgem-me interrogações…
A maior é cada ovo
ser três por cinco tostões…
José S.Bento, sem domicílio assim muito fixo
Mote:
Oh admirável mundo novo
Que tão sublimes ovos pões
I
No cabelo usa uma fita
e traz a cingir-lhe a cinta
um cinto cheio de pinta;
outra coisa bem catita
é a calça de veludo,
mas a blusa de cetim,
pelo menos para mim,
é que é o melhor de tudo,
e assim vai pela floresta
sem cuidados, bela e só,
vai visitar a avó,
e leva-lhe numa cesta
saborosos doces d’ovo
e um belo pão de ló…
Como vai fermosa! Oh
admirável mundo novo!
II
Na perna usa uma fita
que é sinal de realeza
e é altiva, sua alteza,
e sem dúvida acredita,
ser a galinha mais nobre,
mas desespera, coitada,
quando lhe é apresentada
outra que, de origem pobre,
é senhora de um tesouro
muito maior do que o dela.
É que os ovos que a singela
galinha põe… são de ouro!
“Ponho ovos aos milhões
mas sempre de pechisbeque…
E tu, caraças, como é que
tão sublimes ovos pões?”
Isidro Linguiça, de Armário Tosco, Fagulhas de Baixo
Uma prancha de contraplacado
Encharcada em gasolina
Também tem o seu encanto
Uma poesia fina
E então se lhe chegarmos
Um fósforo amorfo a arder
É um regalo para a vista
É poesia a valer
Um espectáculo dantesco
Como se costuma dizer
E então se for um sapo
Com três pernas e zarolho
Vão dizer que motes parvos
Sou só eu que os escolho
Que vocês não não senhora
Só coisas muito importantes
Muito intelectuais
Só motes muito interessantes
Oh admirável mundo novo
Que tão sublimes ovos pões!...
Oh Isidro tira as calças
Que aqui podes entrar de calções…
E ficamos assim.
Já agora, amigo Cajó, a questão do televisor é a seguinte: você aí no Laranjeiro deve ter mais que fazer do que ver televisão e, além do mais, mandar televisões para a outra banda sai caro e não é de fiar. Por isso o melhor é a televisão ficar aqui e você, se quiser ver TV, vá à cervejaria. Sempre convive mais.
Posto isto, uma vez mais, uma vez mais, vamos a isso, ao mote para a semana que vai entrando...
É a partir desta imagem inspiradora, que vos anuncio que o mote para a próxima semana é:
"a vida tem destas coisas e às vezes, vezes demais"
Bem hajam. E bem ajam , também, que é bonito.
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