Vem, a Poesia, eu vos conto, rastejando por entre o lixo, como um gato à procura de qualquer coisa...
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Isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece

Olá amigos, é o professor Saraiva quem vos fala! E, à primeira vista, isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece, pelo menos, à primeira vista, no entanto, seria mais correcto compará-lo com outra coisa qualquer. Como de momento não me lembro o quê, chamemos-lhe um ponto de encontro de almas sensíveis e mentes abertas ao apelo da grande Arte Poética.

Ora, num contexto destes, pensar-se em prémios e gratificações é de uma mesquinhez inqualificável, de merdosa. Haveria de servir-vos de consolação e júbilo o serdes publicados neste espaço de tão requintado gosto e exigente gabarito, mas, já andamos nisto há muito tempo e sabemos do que a casa gasta, por isso é bem provável que vos ofereçamos uma qualquer lembrança, ou singelo regalo, como prémio e distinção...

Até lá, que deus vos cubra!

em Maio, canta a poupa, pia o gaio...

Olá amigos, é o professor Saraiva quem vos fala!
Esta semana, uma vez mais, a vossa colaboração soprou todas as expectativas. Esta semana até houve quem, atabalhoada mas generosamente, sugerisse um mote para a semana que entra. Apreciamos e agradecemos, mas, como se explica logo à entrada, reservamo-nos o direito de os mandar poeticamente para o balde, em sendo o caso e foi. Pois que ideia mais estapafúrdia, concordemos com isenção, que propor um motim para mote, ou vice-versa, que não se percebe bem!... E porque não, em vez de um pato, um patim? Ou, em vez de uma bota, um botim? Ou, em vez de amor, Amorim? Ou, em vez de amêndoa, amendoim? E por aí fora e assim... Mas, apreciamos e agradecemos, na mesma. Coragem, amigo e não desista, que, para desistir, mais vale ficar quieto, ou ir para um convento.
Tirando isso, vamos a contas.

Basicamente, o vencedor desta jornada é:

Desidério Colaço, Afeganistão

Oh Arnaldo oh meu amigo
tu com que então por aqui
pode parecer que não ligo
mas eu nunca me esqueci
das patuscadas antigas
no quintal da tua casa
e daquela vez que caíste para cima das urtigas
quando já estavas com um grão na asa
bêbado que nem um toscano…
oh Arnaldo és um bacano.

Oh Arnaldo companheiro
eu podia lá esquecer
quanto mais não fosse pelo dinheiro
que ainda me estás a dever
daquela vez que ficámos
parados no meio da estrada
e até quase ao estalo andámos
porque tu embirraste que querias beber uma laranjada
e lá te piraste
numa boleia que arranjaste
de um mano…
Oh Arnaldo és um bacano

Oh Arnaldo tas fixe pá?
Diz-me lá o que tens feito
Tu sabes que em Massamá
Há um tipo que no outro dia me disse que tinha jeito
Fiquei sem saber para quê
Que entretanto veio o comboio
E sabes que um rato de biblioteca não lê?...
É verdade, quando vê um livro rói-o
Isso e charutos de habano
Oh Arnaldo és um bacano.

E este ganha pela liberdade poética que revela e porque é de louvar o entusiasmo deste nosso compatriota que está tão longe a trabalhar que nem um mouro, que aquilo, lá no Afeganistão, todos trabalham que nem mouros. Quanto ao bigodinho, amigo, se o apanham aí no Afeganistão com um bigodinho daqueles nas ventas, sodomizam-no na primeira esquina que aparecer. Tenha maneiras, homem! Adiante.

Seguidamente (pelo trabalho que deve ter dado a fazer e pelo fino recorte estético e outras coisas)...

Raúl Tima, da (Boa) Hora

Poema dramático a 3 vozes:

O vate (com um olho torto,
e outro de carneiro mal morto):

Mesmo à última da hora,
vou prestar-te a homenagem
que acho que te é devida,
homem que foste de vida
como as já não há agora,
de fé, razão e coragem.
Mais sadino que o Elmano,
Oh Arnaldo, és um bacano!

Mesmo à última da hora,
deixo-te aqui o tributo,
senhor que foste do mar,
de quem soubeste domar
a fúria destruidora,
firme sempre e sempre astuto,
sim, arma virumque cano:
Oh Arnaldo, és um bacano!

O coro (todos de pauta na mão,
com grande concentração):

Tanta graxa,
que laracha!
Que pilhéria,
que conversa!
Mas que graça,
que chalaça!
A verdade é bem diversa…
Que topete,
grande lata!
Ora aqui vai uma errata:

Naquele verso em que está
"de fé, razão e coragem",
devia antes estar lá
"café, sezão e pilhagem";
no outro, onde se lê
"firme sempre e sempre astuto",
o que lá fica bem é
"um burgesso, um grande bruto"...
Também há que corrigir
"Mais sadino que o Elmano".
Deve-se substituir:
"Mais franzino qu'ò camano".
E, por fim, em vez de ser
"sim, arma virumque cano",
eis o que se deve ler:
"à arma virou-se o cano".

E é assim, caro vate...
Pensa você: "Que dislate,
quanto falta de decoro,
que coro me bate o coro!"
Mas vá lá, não seja assim,
acredite, vá por mim,
sabe bem que o não engano!

Arnaldo (que entra na ocasião,
saudando com um gesto da mão
uma inexistente multidão):

Eh pá, sou mesmo um bacano!

Terceiramente e sem desprimor, pela graça e porque, para castigo, já basta viver num buraco...

Já Agora, num buraco

Zigurates azimutes zagalotes
Zeferinos zanzibares zodiacais
Zapatistas sem pistolas aos pinotes
Zaragatoas de tintura que arde mais

Xaropes e pachos quentes
Três xispes e um pé de porco
As chaputas são diferentes
Das sardinhas e outros peixes

Zigurates azimutes zagalotes
Zeferinos zanzibares zodiacais
Zapatistas sem pistolas aos pinotes
Zaragatoas de tintura que arde mais

Oh Arnaldo, deves estar
Aí p’ra contigo a pensar:
O tipo está-se a passar,
O tipo veio ao engano…

Oh Arnaldo deixa estar
Que eu estava só a brincar
Podia-me lá enganar…
Oh Arnaldo, és um bacano!

Quanto ao resto... é, como se costuma dizer, passar à caixa ao lado, pela ordem em que estavam...

Narciso, de Sacavém

vá lá que o primeiro de maio
é só uma vez por ano
aproveito para dizer
oh Arnaldo és um bacano!

e como é dia feriado
e de festa consagrada
como está tudo fechado
também não digo mais nada.

e o meu nome é Narciso
escrevo de Sacavém
qualquer coisa for preciso
deixem recado, está bem?

Gaspar "IôIô!

Há doutores e engenheiros
Da igreja e obras feitas
Que nos curam dos defeitos
Que nos saram das maleitas
Há doutores de bem falar
Seja qual for o dialecto
Seja qual for o lugar
Debaixo de qualquer tecto
Há mentes industriosas
Psiques hiperactivas
Algumas ficam famosas
Por razões muito objectivas
Há espíritos de iniciativa
Que fazem com que aconteça
E mulas da cooperativa
Aos coices e sem cabeça
Mas este Arnaldo é diferente
Saiu de Arronches sozinho
E fosse o que viesse pela frente
Ele sempre dava um jeitinho
E foi esse jeito afinal
Que por fim o fez famoso
Não fez nada em especial
Mas foi um rapaz jeitoso.
É por isso que ainda agora
Já passado tanto ano
Toda gente ainda o adora
Oh Arnaldo, és um bacano!

Lianor d'Almeida M. Alancaste, Assumar

Cala-te tu, Colombo, e tu, Vespúcio!
... A glória, dizeis vós, mas qual o quê!
E tu também, Cabral! Qual carapúcio,
és chão que já deu uvas, bem se vê.
O engenho, diz você? Pois, sim, aguce-o,
pouco lhe vale já, já que, Cartier,
eu canto um peito ilustre do camano:
Arnaldo de seu nome – e é um bacano!

De Arronches partiu ele, era uma hora;
fez-se à fúria do mar e, sem temor,
chegou aonde quis. Não sem demora,
mas isso não lhe tira o seu valor,
que não era nessa altura como agora:
tudo à vela, nem sequer era a vapor,
era o vento a assoprar naquele pano,
e o Arnaldo no timão, era um bacano!

Era vera fera e homem verdadeiro
e vera era a cruz que ali plantou.
‘Inda o Brasil não era brasileiro
quando Arnaldo brasileiro lá chegou,
e tendo achado o clima prazenteiro
decidiu por lá ficar e lá ficou,
e nunca mais saiu, se não me engano…
Arnaldo, grande Arnaldo, és um bacano!

Mandou então que fosse Carnaval
em vindo Fevereiro, que é bom mês
para ser Carnaval, porque Natal
já foi, não pode ser mais uma vez;
ou se pode, p’lo menos fica mal,
de modo que acho bem o que ele fez:
Natal e Carnaval, um só por ano!
Arnaldo, muito bem, és um bacano

Foi ele que inventou a capoeira
o choro e o pagode e o forró;
foi ele que um dia, na brincadeira,
criou o tacacá e o mocotó,
dois caldos que há na terra brasileira,
que um caldo, quando vem, nunca vem só…
Arnaldo é bem mais do que um fulano,
Arnaldo é um deus, é um bacano!

Grande Gáspea que és tu, do coração
de nós todos o herói mais eficaz;
que tendo tanta coisa aqui à mão
te foste, sem sequer olhar p’ra trás,
p’ra além do Carvoeiro. Nobre acção!
Grande Gáspea, é assim mesmo que se faz!
Por isso é que, Arnaldo, tão ufana,
te canto neste canto: sou bacana!

António M., de Sesimbra

E lá foi o porco etrusco
Como alguns já lhe chamaram
Foi de Arronches o patusco
No dia em que o despejaram
Foi de Arronches o patusco
Foi de Arronches o magano
Oh Arnaldo, és um bacano

Diz que arranjou uma herdade
E não tendo mais que fazer
No meio da tanta liberdade
Desatou a enriquecer

No meio de tanta liberdade
Diz que em Roma sê romano
Oh Arnaldo, és um bacano.

Transaccionou influências
Promoveu conspirações
Patrocinou prepotências
E encobriu escravidões

Patrocinou prepotências
Levou meio mundo ao engano
Oh Arnaldo, és um bacano

Essa é talvez a razão
Porque ainda hoje é lembrado
Para uns filho de um cão
Para outros consagrado

Para uns filho de um cão
Que lhes roeu osso e tutano
Oh Arnaldo, és um bacano.

És um bacano dos tais
Que a História com o seu esfregão
Limpa do que está a mais
Para deixar o campeão

Limpa do que está a mais
Com aguarrás e um pano
Oh Arnaldo, és um bacano.

tadeu ferreira da silva, queluz

sebastião é d’el cano
o ronaldo é um cristiano
o veloso é do caetano

oh arnaldo és um bacano

defeitos, não lhe encontrais
como thales e outros tais
só tem vinícios morais

arnaldo, tu és demais

verde, amarelo e anil
brasas mil e pau-brasil
gilbertos dois, joão gil

oh arnaldo, és um baril

um pedro que era cabral
foi dar à costa da gal
e pôs lá marcos no valle

oh arnaldo és tu o tal
(sim, arnaldo, és total)

banana era o milton antes
de ser depois nascimento
tal como o edson arantes

oh arnaldo, és um portento

sebastião é d’el cano
o ronaldo é um cristiano
o veloso é do caetano

oh arnaldo és um bacano


Dan Núbio, o Azul

Oh arnaldo és um bacano
Mas eras ainda mais
Bacano se m’orientasses
Aí 500 reais
Discretamente p’la surra
Dos lucros aí da roça
Que é p’ra eu comprar uma burra
P’ra me puxar a carroça

Oh Arnaldo és um bacano
Mas bacano mesmo a sério
Era se te tivesses deixado
Ficar no teu hemisfério
Quietinho e sossegado
Discretamente na boa
Em vez de ir para outro lado
Estragar a vida a uma pessoa

Oh Arnaldo és um bacano
Mas bacano era o marreco
Tu serás mais uma espécie
De eu a falar para o boneco
Que é o que estou a sentir
Desde que aqui cheguei
Eu até nem era p’ra vir
Mas pronto agora acabei

Ora, acabou ele e acabo eu, já de seguida. Mas antes, deixem que vos deixe o mote, outro, sim, para a próxima semana.

E porque a Páscoa se aproxima, ainda a uma distância considerável, mas aproxima, resolvi escolher esta semana, um mote dedicado às pessoas que já tiveram acidentes de motorizada.

Assim sendo, o mote à glosa disposição é o seguinte:

"Corpo coberto de chagas
e um trapo nas partes gagas"

Catita, não? Ficai bem.

Paz e prosperidade!

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