Vem, a Poesia, eu vos conto, rastejando por entre o lixo, como um gato à procura de qualquer coisa...
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Isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece

Olá amigos, é o professor Saraiva quem vos fala! E, à primeira vista, isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece, pelo menos, à primeira vista, no entanto, seria mais correcto compará-lo com outra coisa qualquer. Como de momento não me lembro o quê, chamemos-lhe um ponto de encontro de almas sensíveis e mentes abertas ao apelo da grande Arte Poética.

Ora, num contexto destes, pensar-se em prémios e gratificações é de uma mesquinhez inqualificável, de merdosa. Haveria de servir-vos de consolação e júbilo o serdes publicados neste espaço de tão requintado gosto e exigente gabarito, mas, já andamos nisto há muito tempo e sabemos do que a casa gasta, por isso é bem provável que vos ofereçamos uma qualquer lembrança, ou singelo regalo, como prémio e distinção...

Até lá, que deus vos cubra!

um prémio para Olivença, com a vossa licença

Olá amigos, é o professor Saraiva, quem vos fala, desta vez.
Chegamos uma vez mais ao final de uma profícua e inspirada semana de poesia.
Esta semana, aliás, houve inspiração até mais do que é costume! Vejam lá, os meus amigos, que até em espanhol nos chegaram novas e trovas!
Houve também alguns visitantes inesperados, cuja modéstia, ou crise de identidade manteve sob o manto diáfano da sacristi… perdão, do anonimato. A esses e outros amigos que nos interpelaram directamente, ou de esguelha, fomos respondendo, a seu tempo e horas. Por isso, não se habituem.
Agora, porque tenho mais que fazer e a vida não é só cantigas de amor, meu amigo, sem escárnio, a bem dizer, só me falta anunciar o Campeão desta semana.

Don Bernardino da Costa y Mendez, Olivenza

De lejos me llegan memorias
De esos tiempos juveniles
En los cuales, pelo al viento,
Me sentía garañón
Montado en mi Gilera.
Buscando placeres y mujeres
Dos vueltas al mondo me dé.
Por caminos tan ajenos
Sin saber el provenir
Encuentre a la Rosita
En tierras de mi mamá.
La llevé en mi Gilera, noches y noches sin fin,
Hasta que ella, cansada,
Agotada y sin su norte,
Sin sostiene o calcetín
Se revuelta y me golpea
¡Sin vergüenza!
Llenándome el cuerpo
llenadito de Pino Chagas.
“¡Cabrón!” me dijo gritando,
“Tus versos son una trampa,
Estampillas sin pegadura.
Si quieres montar la Gilera,
Hazlo en Extremadura”.
Me dé cuenta que rimaba
Pero que no me alegraba.
Le arranqué la sabana,
Le dejando a descubierto
Toda su malformación.
Qué sus formas, convengamos,
Eran tristes y muy feas.
Por supuesto la dejé
Sin trapo ni partes gagas

A escolha, para os mais lerdos a discernir, tem a ver com o facto de não termos percebido metade do que este Don está a dizer. E a poesia, meus amigos, é assim mesmo: quanto menos se perceber o que o poeta está dizer, melhor. Mais profunda, mais catita, mais guapa.
Quanto ao prémio é assim:
O prémio são as máscaras para a gripe dos porcos e não uma viagem a Londres, mas, acontece que é lá que elas estão. As máscaras. Em Londres. Por isso, há que ir lá buscá-las. Ora, bem…
Sejamos honestos e deixemos de lado nacionalismos fanhosos, viaja-se muito melhor na Ibéria que na Tap e ainda mais vivendo o Don em Espanha, fica-lhe muito mais perto a ele dar um saltinho a Londres. Boa viagem e se vir lá o Mick Jagger, peça-lhe um autógrafo.

Agora o 2º lugar. Um poema que não sendo nada por aí além, justifica-se absolutamente, tanto mais que, se fosse um poema por aí além, ainda hoje o estávamos a acabar de ler, que o Além é longe à brava…
Mala Pata, Mouraria, Purtugal!

Ia eu p’larriba acima
Nuinho como um Jesus
Surgiu-me um bófia matreiro
“Alto lá, a ver qué isto?”
Virei-me todo enrascado
Pirilau cabeça ao vento
Derrapando o meu pezinho
Ai bom deus que lá fui eu.
Atordoado e semi-nu
Lá me dei conta de mim
Desgraçado e estropiado
Com chagas no corpo inteiro.
Espinhosa escarpa subi
A pulso e garra também
Cheguei ao cimo exarangue
Cheio de sangue…
Menos bem.
Lá surge o bófia apressado
Multando meu mau-olhado
Cuspi no chão e tossi
Agarrado aos meus tintins
Infeliz e mal-amado
Sem trapo nem partes gagas…
O que ia ser de mim?
Um desgraçado poeta
Que a isso me confinei
Não sei rimas, não sei nada
Todos se riem de mim.

A este sim, oferecemos uma viagem a Londres. Só tem de comprar as passagens e tratar do resto, que a viagem, nesse sentido poético (que é o nosso )… essa oferecemos nós. Já agora, se vir por lá o Don, pode ser que, com um bocado de sorte, ele lhe empreste uma das máscaras. Que o prémio são duas e ele só tem um focinh…, perdão. Só tem um nariz.

E em terceiro…
Em terceiro e em quarto e em quinto e… e merda! Vocês lembram-se que, ao princípio até era para publicar só o vencedor e nem se falava em prémios nem nada?!... Ah! Bem me parecia. Não vos convém! Vá lá, mas é .

Alzira Francelina Perpétua Mágoa, Madragoa, Portugal

O corpo coberto de chagas
E um trapo nas partes gagas
Raio de mote que arranjaram
Faz-me lembrar o Jesus
Daquela vez que o pregaram
Em pelota numa cruz
E gostava de acrescentar
Ainda mais, mas não posso
Que tenho de ir lá dentro apagar
O fogão senão ainda lixo o almoço…


Júlio de Matos-Grosso, Avenida do Brasil, Lisboa

O poeta despede-se da musa no seu leito de morte; leito dele, não da musa

Corpo coberto de chagas
E um pano nas partes gagas
Pobre coitado de mim
Não me assopres que me apagas
Não me regues que me alagas
É a hora do meu fim

Corpo coberto de chagas
E um pano nas partes gagas
Adeus, musa, que me vou
Não me apertes que me esmagas
Não me aboques que me tragas
Ai tão fraquinho que eu estou

Corpo coberto de chagas
E um pano nas partes gagas
Alivia a minha dor
Toca duas ou três ragas
Conta duas ou três sagas
Passa-me aí o licor

Corpo coberto de chagas
E um pano nas partes gagas
Vales-me tu, minha amiga
Com que doçura me afagas
Oh musa, que me embriagas
À força de jeropiga

Corpo coberto de chagas
E um pano nas partes gagas
Rai's partam o meu azar
Sinto da morte as adagas
E à vida, rogo-lhe pragas
P’rò que me havia de dar…

Corpo coberto de chagas
E um pano nas partes gagas
Adeus, pois, mundo cruel!
Será que no céu há vagas?
Diz que sim, mas que são pagas,
Não sei se tenho papel…

Fim (do poeta, a musa sobrevive)


João Carlos, freguesia de Sousa, concelho de Fernandes

Corpo coberto de chagas
E um pano nas partes gagas
Assim andamos p’lo mundo
Todos nós aos solavancos
Coisa feia de se ver
Nem sei como vos dizer
Num espectáculo imundo
Sem peúgas nos tamancos

Porque nós, amigos meus
Somos a imagem de Deus
Que é o filho do seu pai
Sem o ser da sua mãe
Chama-se esse Deus Jesus
E agonizou na cruz
Ou foi no monte Sinai
Ou então já não sei bem

E morreu p’ra nos salvar
Mas soube ressuscitar
E farto de confusão
Foi desta para melhor
Desde então, no céu, ao lado
De si próprio está sentado
A fazer meditação
E a dar-nos o seu amor

Porque ele agora é budista
E por mais que gente insista
E se prostre penitente
E lhe implore o seu perdão
Diz que não há bem nem mal
Que só o nada é que vale
E que temos presa a mente
No reino da ilusão

Ao pé dele, Maomé
Sentando a beber café
Com um cachimbo na mão
(Sabe Deus do que será)
Diz que podes crer, muediê
Quem não sabe e quem não vê
Nunca terá salvação
Ou então sim, tê-la-á (tê-la-á, tê-la-á…)

"Isto meditar dá fome",
Diz o Cristo que não come
Desde as onze da manhã
"Tu vem ou ficas aqui?"
E levantam-se e lá vão
A cantar uma canção
Do Gilbert O’Sulivan
Lonagué nétchurali.

E nós aqui, pelo mundo,
Num espectáculo imundo
Coisa feia de ser ver
Corpo coberto de chagas
Cá vamos aos solavancos
Sem peúgas nos tamancos
E, para ninguém as ver...
C’um pano nas partes gagas…


Arsénio Diluído em Água

O atum não tem orelhas!
Gritava em desespero
O atum não tem orelhas!
Mas ninguém já queria ouvi-lo

Cambaleante pelas ruas
Corpo coberto de chagas
Despido nas partes nuas
E um trapo nas partes gagas
Lançando o lancinante
Uivo que assusta as velhas
O atum não tem orelhas!
O atum não tem orelhas!

Cerram-se já as portadas
Correm-se as trancas pesadas
Correm as almas-penadas
Assombrações, coisas vagas
A esconderem-se p’la’squinas…
Benzem-se as novas e as velhas
O atum não tem orelhas
Cozem-se os sapos nas celhas
E nas sombras os zanagas
Maldições pragas malinas

Cambaleante pelas ruas
Corpo coberto de chagas
Despido nas partes nuas
E um trapo nas partes gagas
O profeta iluminado
Das desgrenhadas gadelhas
Lança o uivo desesp’rado
O atum não tem orelhas!
O atum não tem orelhas!


Maria Pandilha, ciberespaço, num T0 arrendado

Eu bem te tinha avisado
Mas és burro como o teu pai
Não vás p’r’aí de bicicleta
Olha que essa merda vai
Partir-se toda aos bocados
Que já é velha demais
Para andar por esses valados
Cheios de pedras e cardos
Buracos e ribanceiras
Ainda tropeças e cais
Vais de trombas às torneiras
Pois sim está bem está de gesso
Eu a falar para o boneco
E o boneco a pedalar
Com a fúria de um burgesso
E a pedalar p’ra caneco
Até levanta o cu no ar
Mas também te digo já
Escusas de vir para cá
Depois se tiveres azar
Mansinho a choramingar
A pedir sopas e festas
Dou-te é com um pau nas costas
Nem que me venhas aos tombos
Sem cabeça no meio dos ombros
O corpo coberto de chagas
E um trapo nas partes gagas


Escanzelado Lopes de Freitas, Bélgica

Eu de chagas de repente
Só me consigo lembrar
Do marco chagas ciclista
Famoso no pedalar
Ao mais ao resto não sei
Se por baixo dos calções
Ele trazia algum trapo
A aconchegar qualquer coisa
Que a arte velocipédica
Tem certas subtilezas
Que nem a sabedoria védica
Lhe desfaz as incertezas
Das bicicletas ainda vá
Ainda me podem perguntar
Que ainda sei responder
Ainda me consigo safar
Campainhas e selims
Pipos rápidos e afins
Pneus e câmaras d’ar
Até rodas pedaleiras
Ou guiadores de corrida
P’ra pedalar cu no ar
E na gáspea na descida
Dá-me massa consistente
Ou se quiseres desperdícios
Que bicicletas confesso
Sempre foi um dos meus vícios
Agora se vens p’ra cá
Com metáforas ruins
Oh pá digo-te já
Podes vir que vais de patins!


Amílcar Chaves de Fendas e Porcas, a meio caminho

Diz Maria que me agarras
Que não me deixas cair
E se cair que me afagas
Até me pores a dormir
E se dormir que me acordas
Em sendo umas três e tal
Que me acalmas com açordas
Se me estiver a sentir mal

Diz-me Maria Maria
Diz-me Maria Manel
Achavas que eu não caía
Se me agarrasse ao pincel
Foi por isso dizes tu
Que levastes o escadote
Fazendo-me cair de cu
E com os costados no barrote
E levar com o balde em cima
E com três telhas na tola
Nunca mais vou à vindima
Só mexilhões à espanhola

Se é p’r’acabar neste estado
Mais vale ficar sentado
Corpo coberto de chagas
E um trapo nas partes gagas
Vejam só como fiquei
Quando na Maria me fiei


Zé Luís Scheinswitzer, Cova da Mourém, Cantada do Cunhesser

Parte I, sobre melodia popular:

A treze de Maio
Na cova da Iria
Vou contar o caso
Que se deu um dia

Avé, avé,
César Augusto
És tu, ó Zé?
Que grande susto!

No alto daquela
Árv’re que ali ‘stá
‘Stá uma pessoa
A olhar para cá

Já vi, já vi,
Já vi, Maria,
Olha p’rò ar
E assobia

Parte II, sobre melodia extremamente improvável:

A treze de Maio
Onde é que ela Iria?
Apareceu brilhando
A dona Maria
Visão fulgurante
Nunca mais me esquece
Anéis de diamante
Como resplandece
Ó virgem benquista
Meu maior tesouro
Rubis, ametistas,
Pulseiras de ouro

Parte III, sobre melodia de faz de conta que fado a correr:

O filho é um desgraçado
Corpo coberto de chagas
E um pano nas partes gagas
Dorme aí em qualquer lado
Domicílio, não no tem

E a senhora sua mãe
Que diz que há uma só
Vem tod’ela num primor
Só do bom e do melhor
Isto a mim mete-me dó

Mais vale ter uma avó
Do que uma progenitora
Que diz que é nossa, a senhora
Mas nossa não sei de quem
Faz-me mal ao o coração

Faz-me tamanha aflição
Nem me deixa dormir bem
Se ela fosse minha mãe
Essa desavergonhada
Era logo deserdada!!!

Parte I, repetição: à segunda vez é para o segundo andar…

Yahweh, Yahweh,
Ninguém sabia
Como é que é
que se dizia?

Parte IV: sobre melodia klezmer

Com 4 letras apenas
ips’lon agá dâbli’ agá
é das palavra pequenas
a mais indizível que há

Parte I, repetição outra vez, e fim, até que enfim…

Já vê, já vê,
Dona Maria,
A pé à cova
Eu não iria…

(versos alternativos:

De pés p'rá cova
eu não iria...)


Anónimo do séc. XV, enviado por António José Curador, de Museu, freguesia de Alenquer, Almeida de profissão

Corpo coberto de chágas
E um panno nas partes gágas
Ãdava elle polo mundo
E aquelles conqvem topava
Elle lógo aconselhava
Desta gvisa lhes dezia:

Deixade atrás mãi e pay
Segui-me irmons e oray
Sou Eo o vosso Senhor
Uinde a trás de mĩ na Terra
A paz é a nossa Guerra
A nossa arma o Amor

Uinde mas nom olvideis
Manta conque vos tapeis
Nom façais como eu, irmons
Nom sabeis o frio que rapo
Assĩ soo cum este trapo
Envolvendome os (ilegível esta parte do manuscrito)


Ludovico, da Venteira

O meu avô que deus tem
Um costume que ele tinha
Que ainda hoje lembro bem
Com nitidez miudinha
Era agarrar numa lata
Num escadote e num pincel
Vestir por cima uma bata
E um barrete de papel
E sair para o pomar
A sulfatar as maçãs
E punha-se a borrifar
Passava assim as manhãs
Num equilíbrio precário
Lá em cima pendurado
Oh avô Apolinário
Gritava-lhe eu em cuidado
Oh avô você um dia
Ainda lhe salta para a vista
Um pingo dessa porcaria
Eu não quero ser pessimista
Mas sulfato deve arder
Deve arder pode cegar
E ainda o faz perder
O equilíbrio e tombar
E olhe que um trambolhão
Ainda mais na sua idade
Só pára no meio do chão
Deve doer de verdade
Mas ele nunca me escutava
O meu avô que deus tem
Não me ouvia e borrifava
As maçãs e a mim também
E quanto mais eu falava
Mais ele gesticulava
E quanto mais eu dizia
Mais borrifos espargia

E com tal gana o fazia
Que como sempre há um dia
Em que um gajo se dá mal
E nem é preciso ser
Um bruxo para prever
Desta história o final

Um dia dos de mais vento
Lá estava na pêra rocha
Brandindo todo o talento
Na arte do sulfato e brocha
Mas eis que uma rabanada
Lhe abana a base precária
Onde se apoiava a escada
Já de si muito ordinária
Eu ainda disse oh avô
E pareceu-me ouvi-lo dizer
Depois de cair já lá vou
Se ainda me conseguir mexer
Mas a verdade é que não
Meu rico avô que deus tem
Estatelou-se no chão
Lixou-se e lixou-se bem

A minha avó quando o viu
Deu dois gritos e fugiu
Ao vê-lo naquele estado
Corpo coberto de chagas
E um trapo nas partes gagas
O meu avô bem amado


Só para acabar e antes de anunciar o mote para a semana que entra, só queria deixar duas breves notas e considerações. E ainda bem que acaba em ões, porque é disso que quero falar primeiramente. O curador do Museu das Osgas, ou lá o que era, que se cure e não se desculpe com gente que já morreu há 500 anos e não se pode defender. Se não consegue ler o que está escrito, peça a quem consiga e não se desculpe com a caligrafia dos outros.
Depois a amiga Maria Pandilha, prima direita da menina Alice, curadora e sócia gerente deste Momento, devia saber que, em concursos e passatempos, nunca podem concorrer familiares dos funcionários. Prémio, está claro que não leva e muita sorte tem não a denunciarmos à Protecção Civil! Adiante.


O mote para a próxima semana é uma coisa séria e vem à colação da crise que estamos a atravessar, com água já pelos umbigos. Assim sendo:

MOTE:
“A trinta e cinco réis custa a pescada,
o triste bacalhau a quatro e meio

(Estes dois primeiros versos, de um poema do Abade de Jazente, assaltaram-me curiosamente a mente, depois da leitura do nosso indignado amigo, o Salvador das Almas Castas).

Ao mais e ao resto, quanto a prémios e inspiração… lá iremos. Entretanto, se querem inspiração, abram a janela, que o dia, afinal, pôs-se bom!

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