Vem, a Poesia, eu vos conto, rastejando por entre o lixo, como um gato à procura de qualquer coisa...
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Isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece

Olá amigos, é o professor Saraiva quem vos fala! E, à primeira vista, isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece, pelo menos, à primeira vista, no entanto, seria mais correcto compará-lo com outra coisa qualquer. Como de momento não me lembro o quê, chamemos-lhe um ponto de encontro de almas sensíveis e mentes abertas ao apelo da grande Arte Poética.

Ora, num contexto destes, pensar-se em prémios e gratificações é de uma mesquinhez inqualificável, de merdosa. Haveria de servir-vos de consolação e júbilo o serdes publicados neste espaço de tão requintado gosto e exigente gabarito, mas, já andamos nisto há muito tempo e sabemos do que a casa gasta, por isso é bem provável que vos ofereçamos uma qualquer lembrança, ou singelo regalo, como prémio e distinção...

Até lá, que deus vos cubra!

boa tarde e um Queijo!


E pronto, a vida tem destas coisas e, num ápice... mais uma semana se foi, levando com ela a hora da verdade, a que somos chegados.

E esta semana foi obra, conseguir eleger, de entre tantas e tão finas jóias, a mais brilhante e merecedora de mais alto destaque, ou do mais baixo relevo.
Como podeis ver na imagem, decidi, uma vez mais, carregar nos meus ombros essa responsabilidade. Assim sendo, aí tendes, em ilustração fiel e inequívoca, os três vencedores desta semana.

Os poemas vêm a seguir.

Em primeiro lugar:
Antão Pá, de Xpachaste ao Não
(aos ombros, na foto)

la vide y en a des choses
parfois parfois de trop
enfizémes et esquimoses
et mustaches á charlot

Vai a distinção em reconhecimento do empenhamento deste nosso compatriota emigrante, que, mesmo longe da terra não esquece nem despreza a língua de Camões. Que, em verdade, nada garante que Camões não soubesse falar francês!...

O segundo:
Ana Maria Neta, de Soavó, Parece Impossível
(à direita, na foto)

A vida tem destas coisas
Às vezes, vezes demais
Destas e outras que havia
Mas que agora não há mais
A vida tem desta coisas
Tem suspiros e tem ais
Tem soluços e azia
E outras coisas que tais
A vida tem desta coisas
Tem bestas e animais
E momentos de poesia
E então p’ra que vos ralais?
Deixai só rolar a vida
De patins pela avenida
Às vezes, vezes demais
Tem destas coisas a vida


A vida tem os seus quês
Uns de nove e outros não
Como vós e como eu
E como o Manel João
A vida tem os seus quês
Não há bela sem senão
Carnaval sem Ateneu
Sandes de ovo sem pão
A vida tem os seus quês
Palhaços no Coliseu
Bonecos na televisão
Não vos raleis, digo eu
E deixai rolar a vida
De patins pela avenida
Às vezes, vezes demais,
Tem os seus quês esta vida

Isto dizia-me um dia
A minha avó que Deus tem,
Uma terna Ana Maria
Que era mãe da minha mãe.

O terceiro:
Benzidrina Isabel, de Remendos Postos, Fundão
(à esquerda, na foto)

Tem destas coisas, a vida,
Pois não havia de ter?!
Tem destas coisas e d’outras!
Pois, como havia de ser?

Que a verdade seja dita,
Sem receio ou fantasia,
Que a vida, no seu princípio,
É uma tripinha vazia,

Mas depois, no seguimento,
Vai de inchar, vai de crescer,
De juntar histórias macacas,
Para a gente se entreter,

Episódios, partes gagas,
Cantigas de adormecer
Tem destas coisas e muitas
Mais que me escuso a dizer

Coisas fixes e farsolas
E muitas que são p’ra esquecer
Peripécias, tropelias,
Benefícios, arrelias,
Idalécios, Isaías,
Panarícios, paralisias…

A vida tem destas coisas…
Mas de que coisas falais?!
Sedes por vezes confusos;
Às vezes, vezes demais.
Agora o resto...

N. Tarantino, S. Quentin S. P., Cal.:

A vida tem destas coisas
e às vezes, vezes demais
a gente finge que não,
que não ouve e que não vê
estas coisas que ela tem
e por vezes, os demais
‘inda começam com coisas,
que não sei quê, que é a vida…

Ainda nem haverá
cinco minutos que o mote
refulge no topo esquerdo
do saite que benza deus,
já m’erijo eu seu cantor
e se o faço em verso branco
é mais só por deixar clara
do discurso a limpidez…

Isso mesmo, a limpidez…

Sidónio Soldador, em Detroit, na América

A vida tem destas coisas
E às vezes vezes demais
Tem coisas que s’avariam
Que não querem não desenvolvem
Amarram a burra ao poste
E é o andas é o sais

Nem à base de porrada
Nem hoje nem nunca mais
Pois sim está bem oh marreco
Espera aí que já lá vais

Nem às boas nem com loas
Nem rachando-lhe nos dorsais
Um barrote 10 por 15
Ou uma tábua de solho

A vida tem destas coisas
E às vezes vezes demais
Manda-vos chispas p’ró olho
E é por isso que chorais


Carlota, de Sesimbra, para os amigos, a Lota de Sesimbra

A vida tem desta coisas
E às vezes vezes demais
Sarapatel e açordas
Especiarias e sais
Da linha matérias gordas
Do ponto em que exclamais
Reticências penitências
Truculências bestiais

Tem a vida e tem havido
Ventanias temporais
Tais que já tem abrido
Até os telejornais
E outras coisas sem sentido
Que isto rimas é das tais
Coisas que vida tem tido

Que a vida tem destas coisas
E ás vezes vezes demais
É como o outro que diz
Vai lá dizer que já vais

Argolas, é escusado dizer de onde que vocês não conhecem

Ouve lá, chega-te aqui.
Presta atenção, com cuidado,
Que aquilo que vou dizer
É um segredo bem guardado,
Desde tempos que nem sei
Há quanto tempo já foi,
Mas atenta ao que direi
E não me olhes com ar de boi.
Que a vida, vou-te dizer,
Na sua constituição
Tem coisas que podem ser,
Sem qualquer contradição,
Consideradas demais,
Em certas situações,
Entre as cujas ditas quais,
Citemos à revelia,
Aquelas, em que a pessoa
Já não tem psicologia,
Para dar despacho à coisa.
A coisa que a vida tem,
Que já se viu que são muitas,
Mas estas, que aqui nos trazem,
São as que, por já ser demais,
Se notam p’lo mal que fazem.

Que a vida tem destas coisas,
De que estávamos a falar,
Antes de me ter dado a fome
E parado p’ra almoçar.
Tem destas coisas pois tem,
Mas de barriguinha cheia,
Com elas podemos bem.

Ah mas diz ainda que às vezes
E que às vezes, vezes demais…
Pois então, se é só ás vezes,
Porque é que vos preocupais ?!...

A. Ventura, R. Nova do Almada

O que me faz confusão
C’um mote tão pertinente
Como este, é por que não
Haverá muito mais gente
Que arregace as mangas, zás,
E arremeta as mãos à massa,
Porque isto a vida, rapaz,
Se a gente lhe não der graça
Ela graça, por si só,
Ou pouca ou nenhuma tem,
E não dá ponto sem nó
A grande filha da mãe,
De maneira qu’é o diabo
P’ra a gente a levar direita,
‘Té porque, ao fim e ao cabo,
Chegando à hora da deita
Não vou pedir a Jesus
Iguarias de espantar,
Manjares daqueles de truz,
Com champanhe e caviar,
Groselhas e capilés…
O que eu peço é p’r’acordar
Com os dedinhos dos pés
A mexer, e chega bem
A quem não é exigente
Como chega bem também
Este mote pertinente:
A vida tem destas coisas,
Às vezes, vezes demais!
Tu vê lá onde é que poisas,
Se tropeças, ‘inda cais!

Raimundo Rodrigues Ruas, Casalinho da Saudade, Monte Ventoso, Alfafa Fútil. Portugal.

batem leve levemente
claras doces em castelo
e eu já pus antigamente
brilhantina no cabelo
descalça vai para a fonte
uma velha a coxear
tropeça e cai da ponte
vai-se morrer a afogar
as armas e os barões assinalados
essa heróica corja de bandidos
ainda os hei-de ver mas é fechados
num aljube qualquer todos fodidos
eu quero amar amar perdidamente
que comigo é sempre assim eu perco tudo
ainda mais com dois copinhos de aguardente
até me esqueço qual era a rima p'ra este verso
e como era linda com seu ar namoradeiro
o padre Hipólito vestido de minhota
a gente ria e até dava-lhe dinheiro
que ele guardava no bolso com a mão canhota
deus quer o homem sonha e a obra nasce
mas quem carrega os baldes é o zé
há quem diga que a sorte na vida faz-se
há quem diga que na vida há que ter fé
que a vida tem destas coisas
e ás vezes vezes demais
agora vou-me deitar
e vós também? não descansais?...

Esdrúxulo Brócolo, industrial do ramo

E antes de mais, adeusinho!
Que manda a boa educação,
Que se saúde o vizinho,
Quando começa a função.
Ora então, isso já está,
Vamos lá ao que nos trouxe,
Que também se resolve já.
Que na vida, todo o mal fosse…
Mas diz que não, que na vida
Há coisas mais complicadas,
Que requerem à partida
Soluções mais delicadas.
Há coisas e coisas, há
E coisas até mais não,
De levar um tipo à
Beirinha da depressão.
É o que dizem aí,
Com alguma convicção.
Há até quem disso faça
Mote p’ra rimas, vê só!
Não que tenha muita graça.
É até de meter dó.
Coisinha pobre, fracota,
Que não esconde a evidência,
Que se escondeu na casota,
A inspiração, em penitência.
Mas enfim, a gente nobre,
Como os poetas sempre são,
Mesmo com uma rima pobre,
Não desistem da função.
E dão-lhe com galhardia,
Cada qual e cada um
Agarrada à sua musa,
Ou uma garrafa de rum,
Que na vida, já sabemos,
Há coisas, tantas e tais,
Que cada um se embebeda
Com aquilo que gosta mais.
É o que tem bom, afinal,
A vida de que se fala…
Vai-se dizendo mal da dita
E bebe-se uns copos à pala.
Mas não fujamos ao tema,
Que é p’ra depois não dizerem:
Se era p’ra desatinarem,
Então por que é que concorreram? …
Ah, quereis mesmo saber?!
Quereis saber toda a verdade!?
Os pormenores escabrosos
A cruel realidade…
Pois então vou-vos dizer.
A vida tem destas coisas,
Não é pois o que se diz?...
E a quem tudo quer saber,
Às vezes, vezes demais,
Pois bem, nada se lhe diz.

Falta agora resolver a questão do prémiozinho, não é verdade?... Pois, o queijito vai ser um problema. Não estão decerto esperando ver-me bater-vos à porta com uma bizarma daquelas às costas... Ora bem! Depois, mandá-lo pelo Correio está fora de questão, virem cá buscá-lo não faz grande sentido, por isso (vejam lá se não foi boa ideia!) desta vez, o queijito vou degustá-lo com todo o prazer e na companhia do meu amigo Manel José, que, vocês não sabem, mas está de passagem por Lisboa, a entregar uma carrada de pedra mármore, para arrelvar o parque Eduardo VII! Já combinàmos. Ele traz as mines, eu compro a broa e o queijo já cá está!

Os meus amigos, se quiserem podem aparecer. Tragam copos, que aqui não se bebe pela garrafa. E mais pão! Queijo, há com fartura, graças a Deus!

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