Olá amigos, é o professor Saraiva quem vos fala. E falo-vos para vos dizer que recebi do nosso querido amigo Alberto Scheinswitzer, essa enorme mente, uma carta escrita à mão, que foi depositada na minha caixa de correio, imaginem vocês, por um carteiro de pele e osso. Tudo analógico, meus amigos, tudo analógico, sem digitalidade absolutamente nenhuma... e com selo, ademais! O trabalhão que me deu transcrever para aqui aquela conversa de chacha toda... Mas enfim, os amigos são para as ocasiões e eu não podia dizer que não a um amigo de tão longa data e tão enormíssima lata. Parece que está, o grande cientista, a passar férias no Norte... Enfim, eis aqui a transcrição integral da missiva, que traz data de dia 2 do corrente. E é tudo por agora,
Melhores cumprimentos,
Saraiva, Alcino (o Magalhães, professor doutor, pois então)
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Caro Saraiva
Se tenho andado fugido, não é por razão que não seja a minha ausência, garanto-lhe eu, que a sua companhia, em eu o tendo perto de mim, é-me sempre um grande prazer. Mas retirei-me para descansar uns dias numa propriedade que tenho no Norte do país, pois que já me começava a fatigar, caro Saraiva, o bulício da metrópole e, quando assim é, não conheço melhor remédio que seja ir passar uns dias numa propriedade que tenho no Norte do país a descansar do bulício da metrópole. E aqui estou, e daqui, da boa terra que a internete não soube ainda fazer sua, lhe escrevo à mão esta missiva que espero o encontre de boa saúde, e a todos os seus, quando a receber.
Sabe que eu, mesmo quando descanso, (às vezes até enquanto durmo, caro Saraiva, creia-me), não consigo fazer outra coisa que não seja trabalhar e é assim que passo aqui os meus dias de descanso, a trabalhar que nem um destravado, e ainda bem que assim é, porque essa febril actividade é sinal, espero que nisso concorde comigo, de diligência com falta de freio, se me perdoa a graçola, ah ah ah, caro Saraiva!!!
Mas vamos ao prometido, que, devido a tê-lo sido, é já devido, e o que lhe devo, neste caso, é a prometida análise esmiuçada e rigorosa de um dos poemas que lhe enviaram para o seu Momento de Poesia. O poema que escolhi para cientificamente o autopsiar foi um de um tal Arlindo Serviço, diz que de Bemposta do Meio, do concelho de Estado.
O poema não tem, ao que vejo, nenhum título que lhe dê nome, e isso, caro Saraiva, é já, para um observador da minha estirpe, com a experiência que eu tenho, ademais, de poemas sem título, um pormenor bastante significativo: significa, das duas uma, ou que o autor não quis, não soube ou não pôde dar nome ao poema, o que afinal são três em vez de duas, pelo que onde se lê, lá atrás, “das duas uma” se deve antes ler “das três uma”, mas enfim, também não é por aí que o gato vai às filhoses… A propósito, caro Saraiva, que expressão mais pateta, essa do gato com filhoses, onde se viu já tal coisa, um gato ir às filhoses?
Mas enfim, não é isso que mais conta, nem isso que aqui nos traz, pelo que adiante e adiante o que nos fica é a constatação, na escrita de Arlindo Serviço, de um mundo (não exagero, caro Saraiva, não exagero) de referências intertextuais. Um exemplo óbvio são os “de” e os “e”, que ocorrem amiúde no poema e que nos remetem imediatamente para a poesia de, por exemplo, Camões, Tolentino e Pessanha, autores em cujas obras essas palavras se encontram também com grande frequência. Além disso, havia mais qualquer coisa que eu lhe queria dizer, caro Saraiva, mas, se quer que lhe diga (quer ou não?), não me lembro do que pudesse ser…
Agora, para além desta riqueza formal (qual riqueza formal, caro Saraiva?), há o conteúdo. Veja a profundidade de frases como “é sublime o amor de mãe”, “faz tremer o coração, o amor da nossa avó” ou mesmo “não há coisa mais bonita do que o amor entre irmãos”, profundidade essa que é bem pouca, ainda assim, quando comparada com a abissalidade (e compreenda, caro Saraiva, que aqui não me restava, para descrever convenientemente a verdadeira fundura do pensamento de Arlindo Serviço, senão cunhar um neologismo…) da última sentença do poema, que, curiosamente, fica nele tão como ficaria, por exemplo, num programa de um concerto de música clássica (donde que se possa falar não só de intertextualidade como também de interdisciplinaridade!!!): “e o amor é uma bênção […], bem o pintam, mal o pensam”.
Melhor que isto, caro Saraiva, só na igreja de Santo Estêvão, que não há pincéis que descrevam, se é que entende aonde eu quero chegar…
E despeço-me com um abraço grande, que está na hora do jantar
Scheinswitzer (assinatura ilegível)
Melhores cumprimentos,
Saraiva, Alcino (o Magalhães, professor doutor, pois então)
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Caro Saraiva
Se tenho andado fugido, não é por razão que não seja a minha ausência, garanto-lhe eu, que a sua companhia, em eu o tendo perto de mim, é-me sempre um grande prazer. Mas retirei-me para descansar uns dias numa propriedade que tenho no Norte do país, pois que já me começava a fatigar, caro Saraiva, o bulício da metrópole e, quando assim é, não conheço melhor remédio que seja ir passar uns dias numa propriedade que tenho no Norte do país a descansar do bulício da metrópole. E aqui estou, e daqui, da boa terra que a internete não soube ainda fazer sua, lhe escrevo à mão esta missiva que espero o encontre de boa saúde, e a todos os seus, quando a receber.
Sabe que eu, mesmo quando descanso, (às vezes até enquanto durmo, caro Saraiva, creia-me), não consigo fazer outra coisa que não seja trabalhar e é assim que passo aqui os meus dias de descanso, a trabalhar que nem um destravado, e ainda bem que assim é, porque essa febril actividade é sinal, espero que nisso concorde comigo, de diligência com falta de freio, se me perdoa a graçola, ah ah ah, caro Saraiva!!!
Mas vamos ao prometido, que, devido a tê-lo sido, é já devido, e o que lhe devo, neste caso, é a prometida análise esmiuçada e rigorosa de um dos poemas que lhe enviaram para o seu Momento de Poesia. O poema que escolhi para cientificamente o autopsiar foi um de um tal Arlindo Serviço, diz que de Bemposta do Meio, do concelho de Estado.
O poema não tem, ao que vejo, nenhum título que lhe dê nome, e isso, caro Saraiva, é já, para um observador da minha estirpe, com a experiência que eu tenho, ademais, de poemas sem título, um pormenor bastante significativo: significa, das duas uma, ou que o autor não quis, não soube ou não pôde dar nome ao poema, o que afinal são três em vez de duas, pelo que onde se lê, lá atrás, “das duas uma” se deve antes ler “das três uma”, mas enfim, também não é por aí que o gato vai às filhoses… A propósito, caro Saraiva, que expressão mais pateta, essa do gato com filhoses, onde se viu já tal coisa, um gato ir às filhoses?
Mas enfim, não é isso que mais conta, nem isso que aqui nos traz, pelo que adiante e adiante o que nos fica é a constatação, na escrita de Arlindo Serviço, de um mundo (não exagero, caro Saraiva, não exagero) de referências intertextuais. Um exemplo óbvio são os “de” e os “e”, que ocorrem amiúde no poema e que nos remetem imediatamente para a poesia de, por exemplo, Camões, Tolentino e Pessanha, autores em cujas obras essas palavras se encontram também com grande frequência. Além disso, havia mais qualquer coisa que eu lhe queria dizer, caro Saraiva, mas, se quer que lhe diga (quer ou não?), não me lembro do que pudesse ser…
Agora, para além desta riqueza formal (qual riqueza formal, caro Saraiva?), há o conteúdo. Veja a profundidade de frases como “é sublime o amor de mãe”, “faz tremer o coração, o amor da nossa avó” ou mesmo “não há coisa mais bonita do que o amor entre irmãos”, profundidade essa que é bem pouca, ainda assim, quando comparada com a abissalidade (e compreenda, caro Saraiva, que aqui não me restava, para descrever convenientemente a verdadeira fundura do pensamento de Arlindo Serviço, senão cunhar um neologismo…) da última sentença do poema, que, curiosamente, fica nele tão como ficaria, por exemplo, num programa de um concerto de música clássica (donde que se possa falar não só de intertextualidade como também de interdisciplinaridade!!!): “e o amor é uma bênção […], bem o pintam, mal o pensam”.
Melhor que isto, caro Saraiva, só na igreja de Santo Estêvão, que não há pincéis que descrevam, se é que entende aonde eu quero chegar…
E despeço-me com um abraço grande, que está na hora do jantar
Scheinswitzer (assinatura ilegível)
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