Vem, a Poesia, eu vos conto, rastejando por entre o lixo, como um gato à procura de qualquer coisa...
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Isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece

Olá amigos, é o professor Saraiva quem vos fala! E, à primeira vista, isto pode parecer um concurso e é, de facto, com o que mais se parece, pelo menos, à primeira vista, no entanto, seria mais correcto compará-lo com outra coisa qualquer. Como de momento não me lembro o quê, chamemos-lhe um ponto de encontro de almas sensíveis e mentes abertas ao apelo da grande Arte Poética.

Ora, num contexto destes, pensar-se em prémios e gratificações é de uma mesquinhez inqualificável, de merdosa. Haveria de servir-vos de consolação e júbilo o serdes publicados neste espaço de tão requintado gosto e exigente gabarito, mas, já andamos nisto há muito tempo e sabemos do que a casa gasta, por isso é bem provável que vos ofereçamos uma qualquer lembrança, ou singelo regalo, como prémio e distinção...

Até lá, que deus vos cubra!

6ª missiva do além – daqui… aroma – som – caleidoscópio

No dia 4 Junho, voltei a receber carta do Além. Dizia-me desta feita o seguinte a alma de Scheinswitzer penando no Para Além de:

Caro Saraiva,

Cá estou outra vez a escrever-lhe do Acém, perdão, do Aquém, e começo por responder às pertinentes perguntas que me faz, por ordem de chegada das respectivas:

1: «Quando for falar com o S. Pedro das chaves, veja se apanha o outro, o S. Pedro de Alcântara, e pergunte-lhe a que horas é o comboio para a Cruz Quebrada. Faz-me isso?»

Já está feito, amigo Saraiva: é daqui a bocadinho, nem cinco minutos faltam. Despache-se que ainda o apanha. É na linha do lado de lá.

2. «Vocês aí andam como? Têm farda? Andam todos nus? Vestidos com um lençol? Ou é tudo à balda?...»

Bom, caro Saraiva, tirando eu que ando mais ou menos arranjadinho, a maior parte da malta aqui anda muito mal-enjorcada, uma vergonha. Uniforme, só quem foi em vida tropa, polícia e afim; todo nu, quem foi nudista; e vestido com um lençol, só quem já era fantasma antes de morrer, mas não há muitos… Agora também lhe digo, Saraiva, o pior nem é a roupa, que isso, bom, enfim… O pior são os dentes: esta gente (se se pode dizer assim...) tem os dentes todos estragados, uma vergonha!

E pronto, agora que respondi às suas perguntas, quero dar-lhe algumas novidades: Sabe quem é que eu encontrei há bocadinho? Um senhor de barba com umas grandes olheiras a fumar um cachimbo com tabaco de caramelo (veja lá que eu nem sabia que havia tabaco com aquele cheiro…) e com um livro chinês na mão. E vai ele assim para mim: “Não se importaria o senhor, caro muadiê, de fazer chegar ao cota Saraiva esta pequena missiva em verso que para ele compus?”
“E da parte de quem?”, perguntei eu.
“Diga-lhe que do amigo Camilo, um Pessanha que ainda chegou a andar com ele ao colo…”
Já viu, Saraiva? E eu que nem o tinha reconhecido, veja lá!... E também não sabia que ele tinha sido amigo da sua família. Mas aqui vai o escrito que ele me entregou para eu lho entregar a si:

Daqui de longe, aonde a poesia
Chega esfumada – vaga – quase nada

Onde da noite não decorre o dia
Nem precede a manhã a madrugada

Onde se esfumam todas as noções
Do que foi, do que é ou que há-de ser

Onde não dão coceira as comichões
Onde frio se bebe o chá sem desprazer

Daqui… Aroma – Som – Caleidoscópio
Onde se esvai o Mal… a Dor… a Raiva…

Diga se precisar dum coche de ópio
E abraços para si, grande Saraiva!


E creio bem que é tudo por agora. Receba também abraços deste seu amigo de um mundo outro que não o Céu, perdão, que não o seu,

Scheinswitzer

Um Post Scriptum, já agora à l’intention do Manel José:

Háquer é quem lhe fez as orelhas, ouviu? Instrua-se, homem, instrua-se, leia Allan Kardec, seu bruto! Ou então não leia, mas pelo menos não venha ofender que, se passeia pelos corredores do au-delà (ou do au-de cá, seja….)! Estamos assim combinados?

Tenho de explicar aqui que o amigo Manel José tinha-me deixado uma mensagem irada que o Scheinswitzer leu e o fez zangar-se. A missiva de Manel José dizia assim:

Ora viva, porfessor Saraiva, como vai essa bizarria?

Você desculpa ele eu não dizer nada há tanto tempo, mas é porque estive de férias na Ericeira mais a minha patroa, e por acaso até numa casinha muito jeitosa que a gente lá costumamos alugar aquase todos os anos, que até tem máquina de lavar loiça e tudo, mas agora computador é que não tem. Aliás, eu nem sei se já há computadores na Ericeira, nunca lá vi nenhum...

Eh pá, ó porfessor Saraiva, já vi que esse grande malandro desse háquer armado em alma penada não o larga, já viu? E é malcriado como a senhora que o deu à luz, o grande filho de um chifre! Mas espere só pela pancada, digo-lhe eu! Quer dizer, você não, porfessor Saraiva, que eu a si era incapaz de lhe dar nem que fosse assim uma bofetadinha muito pequenina só com a ponta dos dedos, porque você não merece, agora esse biltre que anda a fazer pouco da alma dos mortos, esse é que tem de se pôr a pau, que eu já falei com um rapaz meu amigo das Azenhas do Mar que é técnico de computadores e máquinas de fotocópias, e ele já anda atrás dele. Quando a gente o apanharmos, depois é que ele vai ver de que cor é que são as que ele levar com a mão e de que tamanho é que é a que a gente lhe dermos com o pé...

Tirando isso, tem estado bom tempo para a amêijoa numa cervejaria que há ali no Lizando, de maneira que isto cá vai deslizandro que é nas horas do camandro, é porfessor!

Eu depois volto a contactá-lo quando a gente descobrirmos a identidade secreta da aventesma, ó porfessor, mas, até lá, despeço-me com um grande abraço do tamanho dum camião daqueles suecos da Scana Vadia!

Manel José

Respondi nesse mesmo dia aos dois, de uma assentada. Eis a carta que lhes escrevi:

Amigo Manel José:
Folgo muito que a vida lhe corra opípara. Da Ericeira guardo eu gratas recordações, nomeadamente. Quanto à alma penada, que não lhe dê cuidado, que o meu amigo Alberto tem mau feitio, mas é boa alma e não vale a pena incomodar esse seu colega das Azenhas, que, lá onde está, nem o homem da Regisconta lhe chega.
Tirando isso, cá vamos indo, na eventualidade e de saúde. Tirando isso e uma gripe que me mandou para a cama com 42 de febre. Para não falar, que não vem ao caso, o cano que se rebentou e me inundou parte da biblioteca onde me deixou irremediavelmente perdida uma raríssima colecção de manuscritos copta do séc 3º AC. De resto, a Maria Alice já teve alta do hospital e já consegue comer sopa por uma palhinha e os bombeiros garantem que o cheiro a queimado, do incêndio no sótão, há-de passar com o tempo. E você?
Vá dando notícias e não trabalhe demais, senão depois, nem as férias lhe fazem proveito. Respire e até sempre.

Amigo Alberto:
Primeiro que tudo, modere os seus temperos, homem, que ainda lhe dá uma coisa ruim. O amigo Manel José é uma criatura simples e directa e age impulsionado pelo ênfase do imediato. Tem, o que se costuma chamar, "o coração ao pé do fígado", está você a ver?... Não lhe meta o Kardec na cabeça, que ele ainda se põe a fazer experiências em Pero Pinheiro e qualquer dia lemos no jornal que apareceram blocos de mármore a voar por cima do convento de Mafra, à meia noite e cascalho em brasa a cair sobre a Ericeira...
Quanto a esse drogado do Camilo, agradeça-lhe o poema e diga-lhe que percebo perfeitamente o problema dele, mas que, daqui, não o posso ajudar. O opiozito é das tais coisas... Acontece que nós por aqui, ultimamente, andamos já todos um bocadinho a dormir na forma, se nos vamos pôr a fumar essa merda, então é que o País vai c’o caralho, como dizem as pessoas do povo. Mas, obrigado na mesma.
Aprecio e chicuelino saber que o meu amigo mantém o garbo e porte, mesmo morto e sem ter onde ir... Isso dos dentes será porquê? Será dos doces? E só mais uma pergunta: então e aí pode-se fumar assim à balda? Cachimbo e tudo, ou só na rua?...
Já agora, se vir aí o Camões, veja lá se o gajo é mesmo cego, ou a pala é só para engatar as miúdas... E já agora, confira-me também aí o Beethoven. Cá para mim, esse também é dos que só não ouvem o que não lhes convém...
Abraços ao Pai de Todos, ou lá a quem manda aí nesse sítio e guarde-os você também, deste seu amigo de sempre e para sempre, como sempre e sempre em frente Alcino M. Saraiva (propriamente)


E, nesse dia, assim ficámos. Mas continua...

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